sexta-feira, 8 de maio de 2015

Educação - Pra quê?


Uma coisa que eu percebo acontecendo aqui no Brasil é que as pessoas simplesmente não dão importância à aquisição de conhecimento.

Começa pela própria escola. A organização escolar não incentiva a busca pelo conhecimento. Não favorece a aprendizagem. A escola me parece uma grande gincana: é um jogo, no qual os alunos precisam somar pontos para passar de um nível a outro, tendo como objetivo um grande prêmio no final. Aprender não é o que interessa, mas tirar notas boas para passar à próxima série até concluir o curso e obter um certificado. Professores, gestores e mesmo pais não procuram despertar no aluno o gosto por aprender, e aprender por aprender, sem nenhum objetivo específico.


E o brasileiro não aprende a dar valor ao conhecimento. Faz faculdade visando à obtenção de um diploma, que lhe será requerido para poder trabalhar. Faz curso de inglês para ter um certificado, e mesmo quando tem como objetivo aprender o idioma, é somente porque a empresa está exigindo ou porque está perdendo oportunidades de trabalho. Eu sou professor de inglês e vejo casos assim constantemente. O brasileiro não quer conhecimento, quer certificados e diplomas. Daí a preferência por cursos rápidos, cursos à distância e sempre que possível dá um jeito de pular etapas para conseguir o certificado de forma rápida, sem ter que assistir a todas as aulas...

O conhecimento é importante. Devemos buscar adquirir toda forma de conhecimento que pudermos. Todo conhecimento que acumulamos será útil em algum momento da vida. Mesmo que essa utilidade não esteja necessariamente relacionada à aquisição de bens. O conhecimento pode levar à educação e a educação não apenas leva à qualificação profissional, mas à completude do ser.

Talvez tenha causado alguma estranheza o fato de eu ter feito uma distinção entre conhecimento e educação. É preciso fazermos essa distinção. Todo signo, todo dado que não está em nossa mente e que recebemos por meio de nossos sentidos é chamado de informação. Uma informação é um dado, um fato, um conceito. Podemos adquirir informações de diversas maneiras. Adquirimos informações por meio da TV, de livros, revistas, blogs, redes sociais, aulas, conversas e de muitas outras maneiras. Mas a informação por si só não faz muita diferença em nossa vida. Estar informado não significa ter conhecimento, muito menos inteligência ou educação. O conhecimento é a informação que é processada, é a informação submetida à reflexão. Não faz muita diferença sabermos que terroristas do Oriente Médio lançaram aviões contra as Torres Gêmeas em Nova Iorque em 11 de setembro de 2001, se não refletimos sobre isso, se não interpretamos esse acontecimento, se não fazemos uma leitura disso. E quanto à educação? A educação significa mudança. Significa a transformação do indivíduo para melhor por meio do conhecimento. É transformar o conhecimento em sabedoria. E como o conhecimento se transforma em sabedoria? Quando o conhecimento provoca mudança de atitude, quando nos tornamos pessoas melhores devido ao conhecimento que adquirimos. E inteligência? Este é talvez um dos conceitos que mais causam confusão. Inteligência é uma capacidade, uma faculdade. A inteligência se desenvolve no ser humano, não por meio do estudo, mas pelo exercício das faculdades mentais. A inteligência é a capacidade do raciocínio, o uso do pensamento para a resolução de problemas. Há muitas pessoas que são inteligentes mas não têm muito conhecimento ou instrução; por outro lado, há os que têm muito conhecimento mas não são tão inteligentes. Eu sempre disse que um título acadêmico, como mestrado ou doutorado, não é um atestado de inteligência. Um título acadêmico tem mais a ver com dedicação. esforço e persistência do que com inteligência. Tem a ver com conhecimento, com certeza, porque eu considero impossível alguém obter um título acadêmico sem adquirir uma boa bagagem de conhecimento.

E a escola? Qual é o papel da escola? Fiquei preocupado com certo discurso que tenho ouvido por parte de alguns que se consideram filósofos, argumentando que o papel da escola não é educar e que o professor não é um educador. Eles dizem que o papel da escola é instruir, ou seja, fornecer o conhecimento necessário para o exercício de uma profissão. Dizem que o papel de educar deve ser atribuído unicamente aos pais. Não sei se essas afirmações absurdas resultam de ignorância ou de má intenção, mas estas são afirmações extremamente perigosas. Durante muito tempo vigorou esse conceito de escola como local de instrução. E qual o interesse em ter uma escola que apenas instrui. A escola se torna apenas uma fábrica de mão de obra. Mas mão de obra passiva, obediente, alienada. E é isso que as classes dominantes querem. Não querem que o povo reflita. Não quer que o povo questione. Quer apenas trabalhadores silenciosos, que não pensam por si mesmos. Esses filósofos argumentam que a escola hoje apenas ensina a ideologia do Estado... Isso na verdade era o que as escolas faziam nos tempos da ditadura militar.

O professor tem um papel social. A escola tem sim o papel de educar, embora esse papel não seja exclusivamente da escola. A família deve educar, dentro de suas possibilidades (já que muitas vezes a própria família não tem essa educação para dar a suas crianças). O sistema de saúde deve educar. Os meios de comunicação podem educar também. As instituições religiosas também devem educar. Mas a escola é a instituição que está melhor aparelhada para realizar essa tarefa.

Como se dá o processo de aprendizagem? O aluno precisa adquirir signos, dados, informações que ainda não se encontram em sua mente. A aquisição de informação é o primeiro passo. Ela começa no primeiro contato do indivíduo com o mundo, logo ao nascer, e continua ao longo da vida. Uma das tarefas de um professor é apresentar dados, fatos e conceitos aos alunos. Esse conteúdo é chamado factual. O conteúdo factual é necessário para que o indivíduo possa estabelecer as conexões mentais (cognitivas) que iniciam o processo de aprendizagem. Eu não acredito que seja possível a evolução do intelecto sem esses signos. Eles estabelecem a ligação do indivíduo com o mundo.

Em seguida, o indivíduo começa a processar as informações em sua mente. Os dados e fatos devem se associar a conceitos (que chamamos de conteúdo conceitual). Esses conceitos precisam fazer sentido na mente do aprendiz. É um processo complexo de se relacionar o conteúdo adquirido ao conteúdo já presente na mente, seja porque foi adquirido anteriormente, seja o conhecimento arquetípico, que o indivíduo já traz em si.

Esse processo mental se complementa com procedimentos práticos. Anotações, experiências, discussões, cálculos, análises etc. A isso chamamos conteúdos procedimentais. Aprender é também produzir.

O conhecimento e a reflexão devem levar à mudança. A escola tem como papel levar os alunos a desenvolverem valores, princípios, atitudes. O conhecimento afeta todas as dimensões do ser. Esses conteúdos, não explícitos, não palpáveis, são chamados conteúdos atitudinais. São talvez os mais importantes. Não são ensinados por meio de aulas expositivas. São trabalhados sempre transversalmente. Devem estar presentes em tudo que se faz na escola. O objetivo final da educação é a transformação do indivíduo. Se não houver transformação, não houve educação.

Perceba-se que a menor parte do trabalho de um professor deve ser a apresentação de fatos e dados. E no ensino eficaz não se pode conceber um aluno como aprendiz passivo. O aluno precisa produzir, precisa discutir, precisa aprender a pensar por si mesmo. Mas quando se pensa o professor como mero instrutor, pensa-se o ensino como um mero treinamento para atividades profissionais. O aluno é programado, tal como um robô, para executar tarefas. Não é esse o tipo de ensino que vai servir à construção da sociedade. No entanto, na prática, é assim que o ensino muitas vezes funciona. Grande parte dos professores no Brasil hoje apenas informam. Numa aula de português, o professor ensina regras e nomenclatura gramatical; na aula de matemática, o professor ensina fórmulas e procedimentos fixos para a resolução de problemas; na aula de história, datas, fatos e nomes; em geografia, nomes, dados, números; em ciências, mais informações: nomes de órgãos e sistemas, tabela periódica etc., etc., etc. E nenhuma reflexão. Nenhuma discussão. Nenhuma aplicação prática. Apenas instrução.

A verdadeira educação leva o aprendiz a desenvolver sua inteligência (ou inteligências). Mas não apenas a inteligência, mas a sensibilidade, a percepção, a visão do mundo, o senso crítico, a consciência de si mesmo e do mundo ao seu redor.

Creio que ficou claro como a educação é importante para a nossa sociedade. Educação, transformação do ser por meio do conhecimento e da reflexão. Mas nesse processo de educação, o aprendiz não pode de modo algum ser passivo. O aprendiz é o principal responsável por sua própria educação. Daí a importância da educação infantil e do Ensino Fundamental, pois é onde a criança vai aprender a se autoeducar. Nos estágios iniciais da educação, o aluno precisa aprender a ter autonomia em sua aprendizagem, pois nesses estágios ele ainda não a tem. Mas à medida que o indivíduo se torna capaz de adquirir conhecimento por si mesmo, torna-se o maior responsável pelo seu próprio desenvolvimento.

Devemos, portanto, buscar acumular todo conhecimento que nos for possível. E vivemos em uma época em que o conhecimento está mais acessível do que nunca em toda a história da humanidade. As possibilidades são quase infinitas. A obsessão por certificados e diplomas deve acabar. Eles devem ser consequência natural do processo, não o seu fim, Podemos adquirir conhecimento de muitas maneiras que não vão gerar certificados, que não poderemos comprovar com nenhum documento. Vai haver conhecimentos que nunca iremos usar no nosso trabalho. Mas certamente utilizaremos na vida. Certamente nos ajudarão a ter uma compreensão melhor do mundo em que vivemos. 

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