sexta-feira, 24 de junho de 2016

A compreensão pode curar a homofobia

A homofobia mata. Mas tem cura. Colocar-se no lugar do outro pode ser um caminho.

Conversei esta semana com um rapaz de 20 anos, aluno de uma escola do bairro de Rio Doce, em Olinda, que disse ter sido vítima de crime de homofobia na própria escola. Não vou revelar a identidade do rapaz. Ao chegar na escola, após ter passado por vários problemas no percurso, um colega começou a provocá-lo, com frases que eu prefiro não reproduzir aqui pelo nível de vulgaridade, a ponto de tirar o rapaz do sério. Os dois foram às vias de fato. O rapaz queria orientação quanto ao que deveria fazer, a quem recorrer a fim de denunciar o crime do qual foi vítima. Fiquei bastante comovido com o relato. Jovem, homossexual, indignado por não suportar mais o preconceito, o ódio do qual é vítima unicamente por causa de sua orientação sexual, estava simplesmente desesperado. Tento me colocar na pele de pessoas como esse menino. Conheço tantos rapazes e moças homossexuais, pessoas de um coração bom, pessoas inteligentes, bondosas e principalmente bem humoradas. Dói meu coração de pensar no desespero dessas pessoas, que gritam, apelam à sociedade que apenas os deixe em paz, que os aceite, que os reconheça como seres humanos. Que os permita ser quem eles são, ser o que são. Que os permita existir. Há muitos que dizem aceitar os homossexuais, mas com a condição de que se mantenham escondidos da sociedade, que disfarcem sua homossexualidade, que não se manifestem, que não se mostrem, que se conformem aos moldes que a sociedade impõe. Isso não é tolerância. Isso continua sendo uma enorme violência.


A homofobia existe. Continua forte. Os LGBT sofrem diariamente violência física e psicológica (e eu não sei qual é a pior...). Um amigo meu, de orientação ideológica conservadora, me disse há alguns dias que os LGBT pretendem ser um supergrupo, superior aos demais seres humanos, por exigirem mais direitos para si. Disse, inclusive, que "violência é violência, independente de contra quem é praticada". Quero aqui tomar algum tempo para comentar essas afirmações.

Em primeiro lugar, façamos o exercício de nos colocarmos na pele de um homossexual. Imagine-se percebendo-se, desde muito cedo na vida, como diferente dos outros indivíduos de sua idade e do seu sexo. A cultura em que estamos inseridos o faz sentir-se estranho, anormal, talvez até mesmo um doente. Tentem imaginar como deve ser o sentimento de confusão, de conflito interno que decorre disso. Todo homossexual provavelmente deve passar por isso. Nossa cultura não permite que o indivíduo, imediatamente após se perceber diferente, simplesmente se aceitar. Ele, pelo contrário, nega a si mesmo. Rejeita-se. Tenta enganar a si mesmo. Agora imagine-se na pele desse indivíduo quando o mesmo começa a ser percebido como diferente nos diferentes espaços de que participa. O bullying na escola, quase inevitável, os comentários desagradáveis dentro da família. Aquele tio horroroso que diz coisas como "você tem cinco anos pra engrossar essa voz, ou eu vou te quebrar de porrada". Imagine todo o sofrimento ao qual o indivíduo é submetido durante esse período, que pode durar muitos anos. Agora, chegue ao momento da autoaceitação. O momento em que o indivíduo se reconhece e se aceita como homossexual. Esse é um passo dificílimo, que pode custar várias noites de sono, muitas lágrimas, muita dor e até mesmo o desejo constante pelo suicídio. O indivíduo que chega ao momento da aceitação pode se considerar um sobrevivente. Eu imagino que deve representar um imenso alívio, embora seja apenas o começo de um novo processo, tão doloroso quanto o anterior.
A partir do momento em que o indivíduo se aceita como homossexual, ele tem o novo desafio, que é o de se assumir perante a sociedade. Essa assunção é geralmente gradual. O indivíduo não se assume para todos no mesmo momento, geralmente começa pelos espaços em que sabe que a aceitação será mais fácil. A família costuma ficar por último. Nossa sociedade felizmente hoje em dia é mais receptiva do que há quinze ou vinte anos, e daí para trás. Mas ainda é dolorosa. No momento em que o indivíduo se assume, começa a ver amigos se afastando, pessoas mudando o seu modo de agir para consigo. Agora, pense no drama de o indivíduo se assumir para a família. Imagine-se recebendo o ódio de alguns, de outros fazendo o maior escândalo, como se você estivesse padecendo de uma doença fatal. Imagine-se sendo excluído sumariamente por alguns parentes, alguns dos quais pode ser que fosse aqueles que você amava e respeitava. Alguns pais aceitam, mas na maioria das vezes leva tempo. Às vezes muito tempo. Alguns simplesmente nunca aceitam. Imaginem agora a confusão na cabeça do jovem que pensa: "Eu sempre estudei, sempre fui honesto, nunca roubei, nunca matei ninguém, nunca fiz mal a ninguém. Sempre fui educado, sempre fui prestativo. Por que meu pai e minha mãe me consideram uma decepção? Por que têm vergonha de mim?" Não é fácil entender que às vezes um indivíduo criminoso, mau caráter, desonesto seja mais facilmente aceito que o indivíduo honesto, íntegro, bondoso, trabalhador, mas homossexual. Mas muitas vezes é assim que acontece.
Imaginem-se andando na rua e apenas o seu jeito de andar, de falar, de olhar, de mover o pescoço cause nojo, ódio nas pessoas. Imaginem-se vendo as pessoas fazendo careta, virando o rosto, apenas por não suportarem sua presença, antes mesmo de você dizer uma palavra. O gay causa mais incômodo nos ambientes que mau cheiro.
Agora imaginem-se olhando para as pessoas ao seu redor e vendo casais apaixonados, felizes, andando de mãos dadas pelas ruas. Você também quer desfrutar dessa felicidade. Quer amar alguém, quer dar e receber carinho. Mas você simplesmente não tem esse direito. Todo indivíduo quer ser feliz. E todo indivíduo tem seu próprio conceito de felicidade. Os gays que andam nas ruas ou nos transportes públicos abraçados ou de mãos dadas correm um risco constante de sofrer agressão física ou verbal. Causam ódio. Tentem se colocar na pele dessas pessoas. Elas acreditam não estar fazendo nada de errado, e de fato não estão. Estão sendo felizes segundo seu próprio conceito de felicidade.
Agora, depois de fazer esse exercício, pense em como se sentiria recebendo socos e pontapés, por ser homossexual, depois de todo esse contexto de vida (e talvez mais do que isso, pois talvez haja muitos outros aspectos que eu não abordei aqui, pois não sou homossexual, não senti na pele o que os homossexuais sentem), e pensem se a dor não é muito maior do que a dor de quem apanha por uma vaga em um estacionamento¹.

A agressão por motivação preconceituosa é mais grave sim! E precisa ser reprimida por leis mais duras sim, pois a punição exemplar é uma espécie de medida educativa. Não há justiça em se submeter indivíduos desiguais a leis iguais. Os LGBT, as mulheres, os negros, os deficientes estão em desvantagem na sociedade, portanto necessitam de direitos civis que lhes proporcionem igualdade de oportunidades.

Eu não sou homossexual. Até onde eu sei, não tenho parentes homossexuais. Mas eu entendo que a questão dos direitos dos LGBT é uma questão humanitária, e como cristão que sou, sinto-me no dever de defender essa causa. O relato do estudante da escola em Rio Doce me deixou muito triste. Tenho um carinho cada dia maior por esses rapazes e moças tão alegres, tão bem humorados, que sofrem tanto, e que carecem tanto de apoio e representatividade. Apelo aos que leram este texto, para que se sensibilizem, reflitam sobre o assunto, entendam que o ódio que talvez vocês sintam quando veem alguém com "jeitinho", que fale de um jeito diferente, esse ódio contra gays e lésbicas pode ser curado. A homofobia tem cura sim. É preciso começar a enxergar esses indivíduos como seres humanos.

Bruno Fernandes de Lima.

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1. Se algum(a) leitor(a) quiser acrescentar alguma situação que considere importante, por favor envie para mim. Como disse, não sinto na pele o que as vítimas de homofobia sentem. Não sei o que é ser um homossexual.

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